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Invisível

Posted by Larissa Araújo on 20:45
Estação Iguatemi, duas horas da tarde. Pessoas para lá e para cá, vendedores ambulantes disputando possíveis clientes no grito, sim, no grito. A arma é o gogó que, combinado com as rimas baratas, atrai a atenção de um ou dois que estão menos apressados ou de alguma criança que não resiste quando vê um doce, “mãe, compra pra mim?”. Os ônibus chegam e se vão de uma maneira que nem se percebe, um cego se aproxima e pede para avisá-lo quando o Pituba passar, crianças ajudam seus pais a vender uma latinha ou cachorro-quente e outras apenas olham ou conversam como mini adultas sentadas no banco.
E foi justamente nesse banco que algo me chamou atenção, em meio a tantos “copão é cinquenta” e “dois por um real” eu apoiei minha mochila pesada em um banco, duas garotinhas estavam sentadas conversando enquanto suas mães – também conversando – estavam atentas, à espera do maldito ônibus que leva uma eternidade para passar. Nesse mesmo banco eu vi um indivíduo pequeno, magro e de pele enrugada, bem enrugada. Os cabelos batiam um pouco abaixo da nuca, eram de um tom cinzento e parecia que não eram lavados já há algum tempo, um boné azul ajudava a esconder o rosto já coberto em parte pelos cabelos prateados.
Por alguns instantes deixei de prestar atenção na conserva fofa das duas garotinhas e, com meus óculos escuros devidamente arranjados em meu rosto, fitei aquele indivíduo, é homem ou mulher? Perguntei-me ao mesmo tempo em que tentava achar alguma pista além da camiseta do exército brasileiro e as encardidas sandálias havaianas. Aquele ser humano, sim, ser humano, estava imóvel, sua expressão era triste e estática e seu olhar distante; nem parecia estar ali onde aconteciam tantas coisas ao mesmo tempo. Depois de uns dez minutos o primeiro movimento e; bastou isso para que eu pudesse definitivamente identificar aquele ser não identificado, era uma mulher, uma senhora. Ela finalmente mudou de posição: ajeitou-se em suas pequenas trouxas e colocou suas pernas em cima do banco, eu pude ver uma saia comprida.
As meninas fofas haviam levantando para comentar algo com suas mães e ao voltarem perceberam que a aquela velha estava tentando se deitar no banco que quase cabia seu corpo inteiro. Sentaram na pontinha e continuaram a conversa fofa de onde haviam parado, eu continuei a olhar aquela senhora, por um momento esqueci que esperava um ônibus ali. Ela era tão pequena e parecia ser tão frágil, ali deitada esforçando-se para não encostar os pés na minha mochila que ainda estava apoiada na pontinha do banco. Aquele olhar perdido me dava agonia, ela realmente parecia estar em outro lugar, talvez ela imaginasse estar em um lugar bem calmo e bonito, quem sabe? Ela simplesmente não via ninguém, não se importava, talvez tenha desistido ou talvez nunca tenha tentando. Como saber?
O barulho aumentava. Alguém ligou o som, o ambulante do copão de cinquenta voltava com seu mantra para vender a plenos pulmões, o ceguinho já havia encontrado não apenas um, mas três Pitubas! Enfileirados. As meninas fofas foram embora com suas mães, a vida continuava, tudo andava, tudo tinha movimento, apenas aquela senhora ali deitada não mudava. O meu ônibus também chegou, eu peguei a minha mochila pesada, pronto, agora a senhora pode esticar as suas pernas e ficar menos desconfortável. Corri e entrei no ônibus, acabou o barulho, mas eu não consegui tirar aquela imagem da minha cabeça, a imagem daquela senhora, daquele indivíduo que ninguém enxergava.






Ao som de Todo carnaval tem seu fim - Los Hermanos

13 Comments


Muito lindo, caramba lary me emocionei aqui...


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Jéfferson Rafael says:

È verdade viu nega quantas senhoras como estas num devem passar por esta estaçao e pelo nosso Brasil?Muitas pessoas destas nos vimos por ai mais finjimos nao vermos pois é mais comodo para mim para vc e para todos..Este é o pais que vivemos onde temos varias senhoras como estas mais que se agente olhasse para ela nois poderiamos transformar o pais..Basta queremos e sabermos votar..


Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo Henriques says:

Nossa gostei bastante!!

Muitas vezes passamos por pessoas como essa senhora e não nos damos conta da presença delas por simplesmente elas "não estarem ali" como você mesmo disse que ela parecia estar em outro lugar longe da realidade onde ela se encontra.

Muito bom mesmo Lary, parabéns!!


fala sério... como a pessoa acima, emocionei-me. Tenho um texto muito parecido, ainda não postei, pois sempre acho q ele ainda ñ está pronto.
No fundo a gente vê essas pessoas, mas finge que não, é mais cômodo. Eu passo muito tempo pensando nas coisas que vejo.. e a forma de diminuir a angustia é escrever, já que nem sempre é possível fazer algo.

bjuww


Lary, parabéééns.
LINDO texto, você falou TUDO.
Por trás de cada olhar existe uma história, que nem todos conseguem perceber, mas...
É a vida!
Parabéns MESMO.


Com certeza. Até nos sopros de vida menos vívidos, há história. De diversos tipos, temáticas e desfechos, mas sempre há história. Nas entrelinhas ou super exposta, história existe para ser contada; ou imaginada. Você nunca vai saber ao certo onde os pensamentos daquela velha senhora a estavam levando enquanto tentava se acomodar no banquinho de cimento da estação iguatemi; mas você pode imaginar. E imaginar que era para algum lugar bom, já que ela simplesmente parecia não estar ali, de alguma forma.

Linha 15, palavra 9.

Beeijo, amiga ;D


Obrigada Lari!

Vou seguir o seu tb, bom conteúdo, adorei o layout tb...
:D


...e eis que surge um novo talento literário!

parabéns.


Nossa!
adorei o texto. Realmente vc usa bem, muito bem as palavras!
sucesso com o blog


Continua com esse perfeito uso de palavras que sabe perfeitamente como prender a atenção!

O invisível das cidades está bem diante dos nossos olhos...Basta SABER ver.

Beijo, Lari! ;D


" De Argia, daqui de cima, não se vê nada; há quem diga: 'Está lá embaixo' e é preciso acreditar; os lugares são desertos. À noite, encostando o ouvido no solo, às vezes se ouve uma porta que bate."

Ítalo Calvino - As cidades invisíveis.

pedaços de coisas, gentes e espaços que passam despercebidos estão por aí no mundo todo. um olhar um dia mais curioso ou observador pode ser capaz de encontrar tesouros no meio de uma multidão. e a gente fica sensível, com coração apertado e a imagem ou o som que marca nossa memória, fica ali, pra sempre.

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